A Teoria da Deficiência Endocanabinoide

a teoria da deficiencia endocanabinoide2

A proposta de que distúrbios fisiológicos e neuropsiquiátricos possam ter origem em desequilíbrios neuroquímicos é amplamente aceita na medicina. Assim como a deficiência de dopamina está relacionada à Doença de Parkinson, ou de serotonina à depressão, o neurologista e pesquisador Ethan B. Russo, em 2001, propôs um novo paradigma: a Teoria da Deficiência Endocanabinoide Clínica (Clinical Endocannabinoid Deficiency – CECD).

Inspirada nos fundamentos da neuropsicofarmacologia, essa hipótese baseia-se na premissa de que diversos distúrbios neurológicos e sistêmicos podem ter origem em desequilíbrios de neurotransmissores ou sistemas moduladores. Aplicando esse raciocínio ao Sistema Endocanabinoide (SEC), Russo sugeriu que uma função insuficiente desse sistema poderia estar implicada em doenças caracterizadas por sintomas crônicos e de difícil controle, como a enxaqueca, a fibromialgia e a síndrome do intestino irritável (SII).

Conceito de “Tom Endocanabinoide”

O SEC é um sistema de sinalização lipídica responsável por manter a homeostase em diversos processos fisiológicos, incluindo regulação da dor, sono, humor, apetite, imunidade e função gastrointestinal. Ele é composto por endocanabinoides como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), pelos receptores canabinoides CB1 e CB2 e pelas enzimas envolvidas em sua síntese e degradação.

Ethan Russo introduziu o conceito de “tom endocanabinoide”, que descreve o estado funcional do SEC em um indivíduo, refletido nos níveis circulantes de AEA e 2-AG, na densidade e sensibilidade dos receptores CB1/CB2 e na eficiência das enzimas FAAH e MAGL. A hipótese central da CECD é que, quando esse tom endocanabinoide encontra-se diminuído, a regulação fisiológica de múltiplos sistemas torna-se disfuncional, contribuindo para a manifestação de sintomas clínicos diversos.

Inicialmente, a proposta carecia de evidências objetivas. No entanto, ao longo da última década, dados clínicos e experimentais vêm fortalecendo a hipótese. Estudos revelaram, por exemplo, níveis significativamente reduzidos de AEA no líquido cefalorraquidiano de pacientes com enxaqueca crônica, bem como evidências de hipofunção do SEC em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), observadas por meio de técnicas avançadas de neuroimagem. Além disso, pesquisas com pacientes diagnosticados com fibromialgia e SII sugerem que a modulação do SEC com canabinoides exógenos pode resultar em alívio significativo da dor, melhora do sono e estabilização do humor.

A reavaliação da teoria publicada por Russo em 2016, na revista Cannabis and Cannabinoid Research, compilou essas evidências e reforçou a relação entre a deficiência endocanabinoide e essas condições clínicas de difícil manejo.

1. Enxaqueca

Estudos clínicos demonstraram:

  • Potencial na redução significativa nos níveis de Anandamida no líquido cefalorraquidiano de pacientes com enxaqueca crônica.
  • Envolvimento do SEC na modulação da liberação de serotonina e do sistema trigeminovascular.

2. Fibromialgia

Caracterizada por dor crônica difusa, fadiga, distúrbios do sono e disfunções cognitivas, a fibromialgia mostra:

  • Resposta positiva ao uso de canabinoides exógenos, com alívio da dor e melhora do sono.
  • Semelhanças fisiopatológicas com a enxaqueca no que diz respeito à hipoatividade endocanabinoide.

3. Síndrome do Intestino Irritável (SII)

O SEC regula funções gastrointestinais como motilidade, secreção e inflamação. Estudos indicam:

  • Disfunções no eixo cérebro-intestino mediados por alterações nos receptores canabinoides e nos níveis de AEA.
  • Melhora sintomática com fitocanabinoides e estratégias de estilo de vida que modulam o SEC.

Segundo o autor, a semelhança entre as três patologias — enxaqueca, fibromialgia e SII — não está apenas na sintomatologia, mas na ausência de biomarcadores claros, resposta limitada aos tratamentos convencionais e presença de comorbidades psiquiátricas. A teoria da CECD fornece, portanto, uma estrutura fisiopatológica unificadora.

O papel da terapia canabinoide

o papel da terapia canabinoide

Compostos como o Tetrahidrocanabinol (THC), agonista parcial do receptor CB1, e o Canabidiol (CBD), modulador alostérico negativo, apresentam efeitos analgésicos, anti-inflamatórios, ansiolíticos e promotores do sono. Além disso, estratégias não farmacológicas como atividade física regular, meditação, dieta rica em ácidos graxos essenciais e controle do estresse têm demonstrado influência positiva sobre o tom endocanabinoide, podendo atuar como adjuvantes no manejo clínico dessas síndromes.

É médico, dentista ou profissional da saúde e quer se aprofundar no uso clínico dos fitocanabinoides? Acesse www.vigoacademy.com/curso-formacao-vigo e inscreva-se na formação “Medicina Canabinoide na Prática: Da Teoria à Prescrição Segura, desenvolvida especialmente para quem deseja prescrever canabinoides com segurança e embasamento científico.

Referência: Ethan B. Russo. Clinical Endocannabinoid Deficiency Reconsidered: Current Research Supports the Theory in Migraine, Fibromyalgia, Irritable Bowel, and Other Treatment-Resistant Syndromes. Cannabis and Cannabinoid Research. 2016.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn