A dor crônica é reconhecida como uma condição de saúde de alta complexidade, associada a impactos significativos na funcionalidade física, no bem-estar emocional e na qualidade de vida. Estima-se que afete cerca de 20% da população mundial, representando um desafio crescente para os sistemas de saúde. Diante dos riscos associados ao uso prolongado de opioides, como tolerância, dependência e overdose, a Cannabis medicinal tem emergido como uma alternativa terapêutica segura e eficaz.
Dor Crônica: Conceitos e Classificações Atuais
A classificação da dor crônica sofreu recente refinamento clínico, sendo atualmente subdividida em:
- Dor Crônica Primária: considerada uma condição em si, independente de causa subjacente clara. Exemplos incluem fibromialgia, dor lombar inespecífica e cefaleias tensionais.
- Dor Crônica Secundária: surge como sintoma de outra condição, como câncer, neuropatias, doenças autoimunes ou processos inflamatórios crônicos.
Essa distinção visa melhorar a formulação de políticas públicas, o diagnóstico e a terapêutica personalizada.
O Sistema Endocanabinoide na Modulação da Dor

O potencial terapêutico da Cannabis se deve principalmente à sua interação com o Sistema Endocanabinoide (SEC), uma rede de receptores canabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides endógenos e enzimas reguladoras, envolvida na modulação da dor, inflamação, humor, sono e resposta imunológica. Os receptores CB1, predominantemente localizados no sistema nervoso central, participam da regulação da nocicepção e da percepção sensorial, enquanto os CB2, expressos em células imunes, exercem efeitos anti-inflamatórios fundamentais. O Tetrahidrocanabinol (THC) atua como agonista parcial dos receptores CB1 e CB2, inibindo a liberação de neurotransmissores excitatórios como glutamato, dopamina e serotonina. O Canabidiol (CBD), por sua vez, atua de forma indireta sobre o SEC, além de modular outros sistemas neuroquímicos, oferecendo propriedades ansiolíticas, anti-inflamatórias e analgésicas sem efeitos psicoativos.
Diversos estudos clínicos e revisões sistemáticas demonstram que a administração oral, sublingual ou tópica de formulações à base de Cannabis está associada a melhora significativa da dor, da qualidade do sono, da funcionalidade física e da redução do uso de medicamentos convencionais. Uma metanálise publicada no BMJ evidenciou que pacientes com dor crônica não oncológica tratados com canabinoides apresentaram melhora dos sintomas com perfil de segurança aceitável. Além disso, um levantamento retrospectivo relatou redução média de 64% no uso de opioides em pacientes com dor crônica após o início da terapia com Cannabis medicinal, reforçando seu potencial como agente poupador de opioides.
Cannabis no Controle da Dor Crônica
Estudos clínicos e metanálises demonstram que a administração oral ou sublingual de THC e CBD — isoladamente ou em combinação — promove alívio significativo da dor, melhora do sono e aumento da funcionalidade física. As principais aplicações clínicas dos canabinoides em condições de dor crônica são:
Dor Neuropática
A dor neuropática decorre de lesões ou disfunções no sistema nervoso somatossensorial, como na esclerose múltipla, neuropatia diabética, lesões traumáticas e HIV. Os canabinoides THC, CBD e o Canabigerol (CBG) demonstraram eficácia analgésica em modelos animais e ensaios clínicos. Canabinoides suprimem a hipersensibilidade e reduzem a ativação de vias nociceptivas centrais e periféricas.
Dor Reumatológica e Musculoesquelética
Doenças como artrite reumatoide, lombalgia crônica e enxaquecas são exemplos de dor musculoesquelética crônica primária e secundária. A Cannabis demonstrou alívio da dor com efeitos colaterais leves, melhora da mobilidade e da qualidade do sono e Redução do uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), frequentemente associados a eventos gastrointestinais.
Uma revisão sistemática recente confirmou a eficácia da Cannabis no tratamento de dores lombares cirúrgicas e não cirúrgicas, com um perfil de segurança aceitável.
Dor em Pacientes com Esclerose Múltipla (EM)
Mais da metade dos pacientes com EM apresenta dor crônica e espasticidade. Canabinoides oferecem benefícios adicionais como redução da dor e da rigidez muscular, melhora do sono e apresenta potencial neuroprotetor e anti-inflamatório que pode retardar a progressão da doença.
A dor crônica representa um desafio terapêutico significativo e frequentemente refratário às opções farmacológicas convencionais. A Cannabis medicinal, por meio da ação multifatorial dos fitocanabinoides sobre o SEC, oferece benefícios clínicos robustos em diferentes tipos de dor, especialmente nas formas neuropática, inflamatória e musculoesquelética. Com o crescimento das evidências científicas e regulamentações mais claras, o uso médico da Cannabis se consolida como uma alternativa contra a dor crônica.
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Referências
- Wang L et al. Medical cannabis or cannabinoids for chronic non-cancer and cancer related pain: a systematic review and meta-analysis of randomised clinical trials. BMJ. 2021.
- Bains S, Mukhdomi T. Medicinal Cannabis for Treatment of Chronic Pain. StatPearls Publishing; 2024.
Cortez-Resendiz A, et al. The Pharmacology of Cannabinoids in Chronic Pain. Med Cannabis Cannabinoids. 2025.