A Cannabis medicinal emergiu como uma opção terapêutica para uma variedade de condições clínicas, especialmente aquelas que apresentam resposta limitada aos tratamentos farmacológicos convencionais. A base para essa aplicação encontra-se no Sistema Endocanabinoide (SEC), o qual está envolvido na regulação de diversas funções fisiológicas, como dor, sono, humor, inflamação e excitabilidade neuronal. A seguir, exploramos as principais condições médicas com evidência científica para o uso de canabinoides, como o Tetrahidrocanabinol (THC), Canabidiol (CBD) e outros compostos bioativos da planta.

Epilepsia Refratária
A epilepsia, especialmente nas formas farmacorresistentes como a Síndrome de Dravet, tem sido um dos principais alvos do uso de canabinoides na prática clínica. O THC exerce efeitos anticonvulsivantes por meio da ativação do receptor CB1, o que modula a excitabilidade neuronal. Por outro lado, o CBD, que não é psicoativo, atua por múltiplos mecanismos, incluindo modulação de canais de sódio dependentes de voltagem, regulação do armazenamento de cálcio intracelular e agonismo do receptor 5-HT1A. Estudos clínicos demonstraram que o CBD reduz significativamente a frequência e duração das crises convulsivas, com um perfil de segurança favorável e melhora da qualidade de vida dos pacientes.
Esclerose Múltipla (EM)
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória e autoimune crônica que afeta o sistema nervoso central, frequentemente associada a sintomas como espasticidade e dor neuropática. O CBD mostrou-se eficaz em modelos animais de encefalomielite autoimune experimental, reduzindo a gravidade dos sintomas quando administrado precocemente. Esse efeito é mediado pela inibição de citocinas pró-inflamatórias e pela atenuação da infiltração de células T e macrófagos no SNC. Clinicamente, pacientes relatam melhora da rigidez muscular e da espasticidade, com poucos efeitos adversos.
Transtornos de Ansiedade
O canabidiol também tem se destacado como uma opção terapêutica segura e eficaz para diversos transtornos de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno do pânico e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Seu mecanismo de ação envolve a modulação dos receptores 5-HT1A, relacionados ao sistema serotoninérgico, com efeitos ansiolíticos e neuroprotetores. Estudos clínicos e pré-clínicos demonstram que o CBD é eficaz na redução de sintomas de ansiedade, mesmo em situações de estresse agudo, como simulações de fala em público.
Insônia e Distúrbios do Sono
A regulação do ciclo sono-vigília é uma das funções moduladas pelo SEC. Tanto o THC quanto o CBD afetam esse sistema, promovendo a indução e manutenção do sono. O THC age principalmente via receptores CB1, promovendo efeitos sedativos e relaxantes, enquanto o CBD modula a vigília e pode atenuar os efeitos psicotrópicos do THC. Estudos clínicos sugerem que a combinação de THC, CBD e Canabinol (CBN) pode oferecer uma alternativa eficaz para o tratamento da insônia crônica, com melhora subjetiva e objetiva na qualidade do sono.
Dor Crônica
Uma das indicações mais amplamente estudadas e aceitas para a Cannabis medicinal é o manejo da dor crônica, incluindo dor neuropática, osteoartrite e fibromialgia. Os canabinoides atuam nos receptores CB1 (sistema nervoso central e periférico) e CB2 (tecidos imunes), modulando vias nociceptivas e promovendo efeitos analgésicos e anti-inflamatórios. O uso tópico de extratos de Cannabis também tem se mostrado eficaz para a dor localizada. Ensaios clínicos indicam que os canabinoides oferecem uma alternativa segura e eficaz, com menos riscos de dependência e efeitos adversos do que opioides ou anti-inflamatórios não esteroidais.
Doenças Neurodegenerativas
Na Doença de Alzheimer, Parkinson e outras condições neurodegenerativas, os canabinoides vêm sendo estudados por seus potenciais efeitos neuroprotetores. O CBD, CBG, CBDA e CBGA demonstraram ações antioxidantes, anti-inflamatórias e imunomoduladoras em modelos animais, promovendo a preservação neuronal e melhora de funções cognitivas e motoras. Além disso, em casos de lesão cerebral traumática, os canabinoides atenuam o edema, reduzem a permeabilidade da barreira hematoencefálica e evitam a morte neuronal. Essas propriedades abrem caminho para o uso terapêutico em fases iniciais e progressivas dessas doenças.
Aplicações em outras especialidades
Além das condições já mencionadas, a Cannabis medicinal tem ganhado relevância em outras especialidades médicas. Na dermatologia, o uso tópico de canabinoides como o CBD e CBG tem mostrado eficácia no controle de doenças inflamatórias da pele, como psoríase, dermatite atópica e acne, graças às suas propriedades anti-inflamatórias, antiproliferativas e sebostáticas. Na odontologia, estudos indicam que os canabinoides podem atuar como coadjuvantes no controle da dor orofacial, na redução da ansiedade odontológica e no tratamento de doenças periodontais, devido aos seus efeitos imunomoduladores, antimicrobianos e analgésicos. Na ginecologia, o uso de Cannabis tem sido explorado no manejo de dismenorreia, endometriose e sintomas da menopausa, aliviando dor pélvica, cólicas, distúrbios do sono e alterações de humor. Já na oncologia, os canabinoides são utilizados como terapia adjuvante no controle de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, dor oncológica e caquexia, além de estudos promissores que investigam o potencial antitumoral de compostos como o THC e o CBD. Esses avanços reforçam a versatilidade terapêutica da Cannabis medicinal em diferentes contextos clínicos.
Referências:
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